Desde que ganhou projeção nacional como protagonista de Malhação em 2006, Bernardo Barreto tem expandido sua presença muito além das câmeras. Com mais de 20 filmes no currículo, entre atuação, direção, roteiro e produção, o artista, que atualmente reside em Los Angeles, tem ganhado notoriedade pelo filme Invisíveis (The Ballad of a Hustler), uma coprodução Brasil/EUA, protagonizada e roteirizada por Bernardo. A produção passou por alguns dos grandes festivais internacionais de cinema, como os de Santa Bárbara, Beverly Hills e, mais recentemente, o 23rd Garden State Film Festival, no qual ele venceu nas categorias de “Melhor Ator” e “Melhor Filme”.
Hoje, esse repertório serve de base para uma visão crítica sobre o papel das narrativas no nosso tempo, especialmente os remakes de novelas clássicas e as ficções que antecipam debates contemporâneos.
A onda de remakes no Brasil reflete um movimento global vindo de Hollywood, onde releituras dominam as telas. Para Bernardo, não é apenas uma moda ou uma jogada comercial, mas um sinal dos tempos. “A nostalgia funciona como um código emocional poderoso. Ela sinaliza um desejo de voltar ao que parecia mais simples, mais humano, mais profundo. E talvez seja por isso que agora elas ressurgem: existe uma carência de histórias com coragem”, comenta. Produções como “Vale Tudo”, “Pantanal” e “Renascer” reacendem valores e personagens que marcaram gerações, e segundo ele, são uma resposta contra a superficialidade das narrativas atuais.
Esse retorno ao passado dialoga com a busca por autenticidade e pertencimento em meio à efemeridade digital. Bernardo observa que, hoje, o risco de cancelamento e a cultura da exposição criaram uma dramaturgia mais contida. “As novelas antigas se arriscavam mais. Eram politicamente incorretas, provocativas. Era gente com alma de dramaturgia, não só de métrica, venda e algoritmo. Hoje, não importa tanto se o conteúdo é bom — importa se ele performa. Mas é dentro do risco que nasciam as coisas mais incríveis”, diz. Para ele, essa falta de ousadia também molda a maneira como o público consome e se relaciona com a ficção.
Ao mesmo tempo, Bernardo aponta que a ficção continua cumprindo um papel vital de preparar mentalmente a audiência para o futuro, até mesmo por roteiros antigos encaixarem em adaptações para o tempo real sem perder o diálogo com a sociedade, como tem acontecido com as novelas. “As obras captam o que está no ar. Elas não são previsões exatas, mas constroem paisagens possíveis.” Para o cineasta, histórias que exploram distopias, colapsos sociais ou dilemas éticos antecipam discussões urgentes e ampliam o imaginário coletivo diante do incerto.
O que algumas vezes parece coincidência, para ele, é parte do entrelaçamento magnético entre arte e realidade. Bernardo cita como exemplo produções como “Conclave”, lançada pouco antes do falecimento do Papa Francisco, e “Dia Zero”, série estrelada por Robert De Niro que retrata um apagão global — tema que hoje aparece em debates sobre infraestrutura energética e tensões geopolíticas, sincronizado ao recente apagão na Europa. “A ficção se alimenta do mundo real, mas também o alimenta de volta”, comenta.
Nesse sentido, os remakes também funcionam como uma tentativa de estabilizar emocionalmente a audiência em tempos de ansiedade. Bernardo destaca que o resgate de personagens maduros, interpretados por atores na faixa dos 40 e 50 anos, traz uma narrativa que valoriza a experiência. “É uma mudança significativa. Em vez de apenas promover juventude, o foco se desloca para trajetórias vividas”, afirma.
Ao cruzar essas perspectivas, Bernardo enxerga um ponto comum: a busca por conexão verdadeira, seja olhando para frente ou para trás. “Essas obras ativam emoções que estavam adormecidas e colocam o espectador em contato com camadas mais profundas de si mesmo. Antigamente, as pessoas paravam a vida pra escrever uma história. Tinha entrega, tinha tempo, tinha loucura. A televisão já foi chamada de fábrica de pizza, mas essa fábrica é a internet. E por mais contraditório que pareça, é justamente nesse excesso que cresce à vontade por histórias mais profundas, principalmente entre os jovens.”
Essa complexidade também pode ser resgatada nos remakes, desde que eles sejam mais do que uma simples repetição estética. O artista defende uma reinterpretação crítica do passado, capaz de dialogar com as contradições do presente. “Esse resgate só tem valor se for capaz de nos dizer algo novo sobre quem somos hoje”, afirma. Para ele, essa pode ser a verdadeira potência do audiovisual contemporâneo: revisitar para provocar.
Sobre a Berny Filmes
Fundada em 2011 e atuante no Brasil e nos EUA, a Berny Filmes é uma produtora audiovisual coordenada pelo artista e que coproduziu também “Invisíveis”, permitiu consolidar-se internacionalmente no cinema e trazer ainda mais visibilidade para a performance brasileira no setor. Assinou produções como a coprodução do documentário “Cidade de Deus 10 anos Depois” lançado no Netflix, e a série “Meus Dias de Rock” (Globoplay), escrita e protagonizada pelo cineasta. Em 2019, dirigiu, roteirizou e coproduziu o filme “O Buscador” (The Seeker). O drama, que aborda os temas que afligem o país politicamente, com um propósito crítico, foi lançado nos cinemas do Brasil e conquistou 10 prêmios, sendo um deles, o Prêmio do Júri do Tallinn Black Nights Film Festival (PÖFF), festival anual de cinema realizado desde 1997 em Tallinn, capital da Estônia, que está entre os 12 festivais mais importantes do mundo.